quinta-feira, 15 de abril de 2010

Como cresceu. Ontem mesmo (faz dois

Como cresceu. Ontem mesmo (faz dois anos) eu passei por ali e era só um muro em crescimento. Algumas semanas depois, ele já dava sinal de que não cresceria mais. E não cresceu mesmo. Mas hoje, reparei que, sob os altos muros que não crescem mais, cresceram as copas das árvores, que de tão grandes, assustam de não terem sido percebidas quando não havia muro. Elas se despejam sob os altos dos muros e caem sob a estrada, causando uma boa sombra para os motoristas a cem quilômetros por hora.

E me assusta não ter visto seu crescimento. Passo ali toda semana, toda semana a cem por hora, e hoje não foi diferente. Mas hoje, aconteceu algo diferente: naquela estradinha onde não há radares eletrônicos e nunca havia-se notado radares móveis, vi um desses últimos escondidos sob o guardirreio, silencioso, preciso. Minha velocidade era de cem por hora (antes que me multem por falso testemunho), mas mesmo assim brequei, e segui o resto dos seus dez quilômetros em procura de outros possíveis pontos de desfatura, atento ao que se passava. Não os encontrei; porém, trombei com as altas árvores.

Me parece que é assim que se deve bem viver: a procura de radares. Digo, decorar os pontos de radares fixos e os possíveis pontos de radares móveis pode ser útil e quase prático, mas não lhe deixa ver que as árvores crescem sob os muros.

Levar a vida sem que se saiba que há mudanças é como ouvir Chopin com todas suas cadências de cor (de coração), como ler Camões tendo conhecimento de todas suas rimas, como olhar Picasso sabendo onde e como ali está circunscrito (desenhado) um violão.

Agora entendo e critico a questão da obra de arte do século passado. O público já passou a prever muito, então começaram as atonalidade, as poesias sem rima, os quadros abstratos. Ninguém percebeu que não era aí que estava o problema, não na coisa em si, mas antes, no leitor.

Há de se fazer músicas onde o ouvinte se encontre sempre novo, como ontem; há de se fazer quadros onde o visor tenha olhos de criança; há de se fazer um livro em que o leitor seja de novo bebê e analfabeto.

Quando Manoel de Barros fala em Desaprender oito horas por dia, ele não diz em apagar, mas antes, em se surpreender.

Reescrevo:

Se surpreender oito horas por dia ensina princípios.

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