sábado, 27 de março de 2010

Desde tenra idade, ela

Desde tenra idade, ela julgava que a humanidade havia perdido a capacidade de, verdadeiramente, se expressar com a linguagem das palavras. Não era porém um processo de novalíngua, como em Orwell, e nem havia um grande irmão por detrás: era, simplesmente, algo mais complexo e cruel.

Em algum ponto da história, a palavra cadeira passou a significar apenas, e esse era o ponto, a ilustração do objeto desejado, e nada mais. O malabarismo de palavras, que alguns já chamavam poesia, tinha então seu fim declarado, pois lhe era indispensável que a palavra cadeira então pudesse ter umas dezenas de significados. Poderia, então, ser confundida, por exemplo, com o objeto colmeia, ou então com o sentimento da dor (num manuscrito antigo, e isso somente ela sabia, lia-se "Tire alguém a cadeira de minhas costas, pois passam os anos e sou agora infeliz").

Mas, dadas as circunstâncias, ela se dera o papel de cruzada da linguagem. Todos os dias, tão logo acordada, tinha em mãos seu caderno de capa dourada, cujo número de páginas beirava o infinito, e ali escrevia repetidamente uma única palavra, à exaustão, até que suas bordas semânticas começassem a desfocar. Foi assim, por exemplo, que descobriu na palavra chaminé a capacidade de significar centro e trinta e duas coisassentimentosações diferentes.

O problema foi que, depois de seis anos dessa prática, ela percebeu que isso não bastaria. De fato, sua língua materna não bastaria, bem como não bastariam as outras seis línguas que aprendeu em seus diálogos silenciosos, durante a execução dos mesmos seis anos.

Tal descoberta foi sentida e ela sofreu de uma intensa misantropia por tantos dias quantas páginas brancas sobravam em seu caderno. Trancada em sua torre, se pôs a procurar nas línguas inexistentes a real possibilidade da comunicação, mesmo que o ouvinte não passasse de sua própria sombra. Não sabia sequer se ela entendia suas profetizações, se entre ela e a sombra havia um código comum, ou se insistia em ficar aos seus pés por puro respeito e devoção ao que de si havia de mais real.

Porém, o processo de análise combinatória levado a cabo nos primeiros anos logo mostrou-se infrutífero. Existia entre as letras, e isso somente ela notara, uma certa força de atração que fazia com que certas letras fossem bem sucedidas por umas e não por outras. Tal constatação a fez concluir a verdade última: existe uma palavra, uma tal ordenação de certas letras, cuja tamanha é a harmonia entre suas forças formantes, e cuja tamanha é sua gravidade interior, que seu significado extrapola o mundo. A sua simples pronúncia por uma boca mortal faria os mares se abrirem, os céus baixarem à terra e a chuva desabar por mais de seis meses (estava portando comprovada a sua existência frente aos livros santos dos deuses).

Consumida por essa busca infinita, hoje ela habita junto a mim. Seus olhos carregam o peso do tempo e seus cabelos reluzem a eternidade. Passa seus dias na velha cadeira de balanço em frente a janela, fitando o céu. No começo, considerei que esperava que ali, em meio as nuvens, surgissem as letras da palavra querida. Depois, realizei que apenas lhe sorriam as suas formas de algodão e era só.

A cada seis anos, percebo-a consternada, o velho caderno a mão, as páginas puramente brancas. Isso lhe dói, e sempre me parece que ela não resistirá, que sua pena tombará ao chão, enquanto o caderno, carrasco, permanecerá para sempre aberto, imaculado, como um sinal derradeiro de sua busca infinita, a qual tanto desgastara sua eternidade.

Mas depois, quando ela finalmente adormece, vejo-a deitada em brancos linhos e então percebo que, se sua pesquisa fora inútil, não o fora por ser infinita, mas antes, pelo contrário: era finita, e seu fim se sobrepunha ao seu próprio início. Quando sonhava podia, então, ser feliz.

terça-feira, 23 de março de 2010

:) -- Sempre que viajo

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Sempre que viajo, ou melhor, sempre que volto de viagem, vejo que as coisas que ficaram para trás, supostamente imóveis, já não se encontram como antes, em caráter ou espaço. Foi assim que dei conta dos pequenos gnomos que habitam sob nossos tetos, e que alguns insistem em chamar de passar do tempo.

Eles estão por toda parte, e agem sobre tudo. Agora mesmo, um deles está sentado ao meu lado e, com seu delicado pincel de poeira, pinta o tapete amarelo de insígnias árabes. Para ele, não se trata de uma função, um trabalho dado, mas antes de uma (boa) condição adquirida desde os primórdios do surgimento. Com mesmo esmero que minha avó lavara o tapete, ele o pinta, fazendo com que, daqui dias, minha vó terá que novamente lavá-lo. E assim num processo cíclico. (É aí que se prova sua existência e grau de importância em toda a história (cíclica) do homem).

Descobri também que não são com os olhos vistos (ou, ao menos, não somente). Lembro de, na infância, é verdade, ter reparado com os olhos o árduo trabalho de seis deles, que acometiam pequenas danas aos bolachões do legião urbana e do lulu santos que eu, em jogo, arrastava pelo chão de cimento queimado da casa do 913. Do mais, sei que suas presenças podem ser sentidas e é isso. Quando fecho os olhos, deitado em minha cama, sei que um deles logo se porá a minha frente e me contará histórias de um tempo tão mágico (passado?) que adormeço longamente (e entenda: não os ouço com os ouvidos, mas antes).

Porém, antes que duvide de suas boas intenções, digo logo que são males que vêm para o bem. É graças a eles que todas as coisas que há no mundo têm história. Sim, sei que nos é óbvio que, se tudo permanecesse em sua condição in illo tempore, não haveria livros de contos, marcas no sofá da sala, ferrugem em minha janela, cabelos que crescem mais nas luas cheias (quando, é sabido, tais gnomos trabalham mais). Mas aqui faço a defesa de sua condição sinequanon em nosso mundo.

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Lembro de minha mãe. Na mesma casa de cimento queimado, tínhamos, sobre a estante, um pequeno gnomo de calças verdes e camisa amarela. Seu chapéu, pontiagudo, era laranja, e restava sobre suas orelhas, roseadas. Sempre sorria. E sempre, também, tinha ao seu lado uma vermelha maçã .

- Tata, era assim que chamava (chamo) minha mãe, porque a maçã fica ali?
- É para os gnomos, Tiago.
- Ah tá.

E assim, passava meus dias reparando como a maçã era engolida, pouco a pouco, pelos gnomos. E então a escola me ensinou que os alimentos sofrem com o tempo, deteriorações químicas e que até o tetrapack não é para sempre. E isso é agora algo que eu desaprendo, ao que percebo que minha infância era muito mais sabida (verdadeira) que os livros da academia defendidos pela gorda professora, que, sentada em cima de seis outros gnomos, tinha sua bundona esburacada por eles.

- Não fale assim de minhas nádegas, moleque. Sou uma mulher de idade e o tempo passa.
- O tempo passa professora.

O tempo passa.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Encontrado no dicionário: português > inglês.

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* o Dildo é um objeto em formato que imita um pênis com o intuito de ser usado para provocar estímulos sexuais através do contato, fantasia ou ...
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