Se é preciso que se escreva um manifesto (sobretudo quando ainda há juventude em nosso espírito, o que ainda nos é sinônimo de rebeldia) para entrar nos compêndios históricos, aqui vai o meu, ressaltando, porém, a falsa pretensão do seu autor em participar de tais anais.
Que seja abolido o espírito coletivo. Sou eu, antes de ser brasileiro. Sou tiago, antes de ser masculino. Calço quarenta e dois, antes de ser feliz. (Sabia, pela análise histórica, que a negação é parte primordial de um manifesto). A necessidade, natural (ao que parece), do serhumano se agrupar em bandos, e criando, com isso, essa defenestração dos sentimentos, naturais (ao que parece), chamada cultura gerou no mundo guerras e rivalidades. A fronteira só existe quando se define os seus conteúdos. (O preconceituoso negro que, tendo a frente duas coisas, chama uma de maçã e a outra de banana, não merece ser ouvido quando reclama que as outras coisas lhe chamam de negro, pois tendo a frente duas coisas a frente, eu duvido que uma banana (essa sim, livre de preconceitos) chamaria uma coisa de branco e a outra de negro).
Sou uma mistura de você com o seu vizinho. E com o meu. Não me defino, senão pelas minhas mensurações físicas, que são um pouco menos amorfas que meus pensamentos. Digo: cabelos negros (a luz do sol, sem que a química os colora, aviso logo), nariz de batatinha, mãos ligeiramente grossas (as luvas cabem-me na largura e sobram-me nos comprimentos), alguns centímetros de pênis e outros de orelha. Não sou nada que não sou, mas disso também não passo.
O português me veio como sobrevivência, o que faz tanta diferença quanto ter calçado sapatos chineses na infância, ou ter aprendido a usar os hashis apenas na adolescência, ou ter andado de trem em pirituba, ou ter andado de bicicleta em paris, ou ter nadado o atlântico atrás de um peixeboisereia que me encantou cantando em pentatônicas (ou hexafônicas, o que não faz, mesmo, diferença).
E com tudo isso, afirmo logo, somos uma profusão de coisas, de variáveis (vide obra aberta, do umberto eco (sim, na verdade, me considero uma grande obra aberta, assim como considero a quem lê isso (e a quem não lê também))), que me definir "homem", "brasileiro", "feliz", "machista", "viado", "bom vivão", na verdade, não diz nada. E reafirmo, sou antes de mim mesmo, apenas uma coisa que pensa ser quem eu sou.
Assim, para dar crédito a essas palavras e aguardar a sua fixação na história do mundo (se é que o mundo existe, já que aqui não se acredita mais em fronteiras, quiçá as intergaláticas), assino logo aqui, eu e meus outros eus, que são tão eu quanto eu, mas não passam de mim mesmo.
Tiago, músico
Tiago, viajante
Tiago, amante
Tiago, pedófilo
Tiago, comedor de bons sushis
Tiago, zagueiro
Tiago, cavalo
Tiago, cavalo-marinho
Tiago, dono do ticket velib nombre 8762040 válido jusqu'aujourd'hui
Tiago, nascido no ibirapuera, hospital do servidor público estadual
Tiago, que aprendeu a tocar violão comprando revistas do legião urbana nas bancas de são paulo
Tiago, que se criou em são paulo
Tiago, que se criou em pirituba
Tiago, que nunca foi ao capão redondo
Tiago, que não usa as letras maiúsculas para dizer os nomes próprios das coisas, senão seu próprio nome próprio
Tiago, que não usa pontosfinais. e que por isso poderia escrever para todo o sempre tudo aquilo que é, sem que, sequer, se atingisse a ponta mais próxima do âmago do seu ser
sábado, 2 de janeiro de 2010
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bom!
ResponderExcluirbom mesmo.
bom de entender e de ler.
bom de pensar sobre e de concordar.
bom como não tinha lido antes.
pensei que você tinha ido com o Mark conhecer a linha lilás do metro. termina no Capão Redondo.
ResponderExcluirque não faz Paris ao rapaz...
ResponderExcluirAs coisas se dão. Algo começa a se manifestar da forma que lhe seja possível e estabelece alguma relação com o que lhe é externo. Acompanhar esta cosmogonia é como estar dentro de um buraco negro e observar as coisas entrando e se transformando, sem poder sair para dar uma arejada.
ResponderExcluirNão creio que o problema seja a cultura, mas sim, as identidades: para algo ser uma coisa, não pode ser outra. Já as culturas, quando não pretendem identificar-se, simplesmente são. Talvez sejamos como aquela de definição, se não me falha a memória, de Marco Antonio: "Eu sou as coisas que me atravessam".
ResponderExcluirAbraço!
se é preciso que eu dê meu comentário, é este: gostei muito.
ResponderExcluirpra mim, a definição mais propícia é essa que não define nada, que apenas fornece elementos pra nossa imaginação costurar.
e que você prescinda sempre dos pontos finais. assim teremos mais posts. ;)
um beijo!
e, mesmo assim, continuo não sabendo nada de você.
ResponderExcluirAs medições são justamente o mais falso, pois científicas.
ResponderExcluirUm manifesto manifesta, sempre, e não.