terça-feira, 23 de março de 2010

:) -- Sempre que viajo

:)

--

Sempre que viajo, ou melhor, sempre que volto de viagem, vejo que as coisas que ficaram para trás, supostamente imóveis, já não se encontram como antes, em caráter ou espaço. Foi assim que dei conta dos pequenos gnomos que habitam sob nossos tetos, e que alguns insistem em chamar de passar do tempo.

Eles estão por toda parte, e agem sobre tudo. Agora mesmo, um deles está sentado ao meu lado e, com seu delicado pincel de poeira, pinta o tapete amarelo de insígnias árabes. Para ele, não se trata de uma função, um trabalho dado, mas antes de uma (boa) condição adquirida desde os primórdios do surgimento. Com mesmo esmero que minha avó lavara o tapete, ele o pinta, fazendo com que, daqui dias, minha vó terá que novamente lavá-lo. E assim num processo cíclico. (É aí que se prova sua existência e grau de importância em toda a história (cíclica) do homem).

Descobri também que não são com os olhos vistos (ou, ao menos, não somente). Lembro de, na infância, é verdade, ter reparado com os olhos o árduo trabalho de seis deles, que acometiam pequenas danas aos bolachões do legião urbana e do lulu santos que eu, em jogo, arrastava pelo chão de cimento queimado da casa do 913. Do mais, sei que suas presenças podem ser sentidas e é isso. Quando fecho os olhos, deitado em minha cama, sei que um deles logo se porá a minha frente e me contará histórias de um tempo tão mágico (passado?) que adormeço longamente (e entenda: não os ouço com os ouvidos, mas antes).

Porém, antes que duvide de suas boas intenções, digo logo que são males que vêm para o bem. É graças a eles que todas as coisas que há no mundo têm história. Sim, sei que nos é óbvio que, se tudo permanecesse em sua condição in illo tempore, não haveria livros de contos, marcas no sofá da sala, ferrugem em minha janela, cabelos que crescem mais nas luas cheias (quando, é sabido, tais gnomos trabalham mais). Mas aqui faço a defesa de sua condição sinequanon em nosso mundo.

--

Lembro de minha mãe. Na mesma casa de cimento queimado, tínhamos, sobre a estante, um pequeno gnomo de calças verdes e camisa amarela. Seu chapéu, pontiagudo, era laranja, e restava sobre suas orelhas, roseadas. Sempre sorria. E sempre, também, tinha ao seu lado uma vermelha maçã .

- Tata, era assim que chamava (chamo) minha mãe, porque a maçã fica ali?
- É para os gnomos, Tiago.
- Ah tá.

E assim, passava meus dias reparando como a maçã era engolida, pouco a pouco, pelos gnomos. E então a escola me ensinou que os alimentos sofrem com o tempo, deteriorações químicas e que até o tetrapack não é para sempre. E isso é agora algo que eu desaprendo, ao que percebo que minha infância era muito mais sabida (verdadeira) que os livros da academia defendidos pela gorda professora, que, sentada em cima de seis outros gnomos, tinha sua bundona esburacada por eles.

- Não fale assim de minhas nádegas, moleque. Sou uma mulher de idade e o tempo passa.
- O tempo passa professora.

O tempo passa.

3 comentários:

  1. O tempo passa e a gente quase esquece... Não fossem os gnomos.

    ResponderExcluir
  2. adorei isto: "não os ouço com os ouvidos, mas antes"!

    e olha, eu também prefiro a explicação de sua mãe do que a da gorda professora quanto ao fato da maçã sumir.
    (pense bem, é só uma diferença entre os agentes de decomposição: em vez de serem aqueles bichinhos microscópicos que fazem o trabalho microscópico de comer, são os gnomos invisíveis que o fazem. não me parece tão absurdo assim, já que não vemos nenhum dos dois.)

    --

    não sei por que, mas seu post me lembrou aquela história de voltarmos a um lugar que freqüentávamos na infância e o acharmos menor. a gente às vezes esquece que cresce!

    um beijo,
    ju.

    ResponderExcluir
  3. já ouviu também que, para fazer baliza, basta ir bem devagar que o gnomo tira o obstáculo do caminho?

    ResponderExcluir