eu adotei uma mariposa, e seu nome era k. ela me ensinou muito, e sabia (como sei já não é possível explicar) que também lhe tinha ensinado. a cumplicidade veio em pouco tempo: logo eu olhava por ela, e ela retribuía o olhar. eu ouvia por ela, e ela retribuía a audição. eu amava por ela, e ela retribuía em amor.
ficava no pequeno quarto destinado aos estudos acústicos, ao chão. ora, é verdade, à parede, próxima ao interruptor, o que me causava, mais a princípio, menos com o tempo, um certo arrepio. mas, entendo agora, que era mais uma questão com o incômodo de k. do que comigo mesmo. ficava ali, batendo suas asas numa desassociação paramétrica que era só sua: a velocidade e a amplitude nem sempre coincidiam, a ponto de k. não ser uma exímia voadora. não num cubículo de uma dúzia de metros cúbicos.
eu adotei uma mariposa, e seu nome era k. me vem agora o absurdo que é adotar algo, alguém, uma mariposa. os algos, alguéns ou mariposas continuam sempre os mesmos, por mais que as relações mudem. entendam: namorar alguém não é operar nele de forma a amorfá-lo, destituí-lo de seus caracteres, preenchê-lo com um conteúdo que não lhe signifique, que não lhe pertença (como se preenche a galinha com farofa de banana no natal, como se ali coubesse algo que não seja, antes de mais nada, galinha, pura e simplesmente).
ela me ensinou muito. a calma, a perseverança, que infelizmente não pude aprender com meus fios de cabelo, ou minhas unhas, ou os textos de barthes, ou as listas intermináveis da poesia concreta que somam elementos sem que o último seja precedido da conjunção aditiva esperada, aprendi com k. a filosofia zen poderia ter melhores tutores, mas k. também ensinara que não existem melhores algos, alguéns ou mariposas, existem apenas possibilidades. a boa possibilidade também não existe, pois k. continua no pequeno quarto, enquanto eu mesmo lá não estou (como sei já não é possível explicar).
k. me ensinou a dançar. sem o afetismo que sofrem os nossos dançarinos, ela se punha a transcrever no ar pequenos aforismas de pura poesia. comunicava-se comigo através dessa dança (mas não só, entenda). comunicava com o mundo, era verdade, através desses signos, mas eles não estavam disponíveis o suficiente. e me fazia pensar quantos os sinais que existem por aí (ipês, sementes voadoras, uivos sigilosos, reflexos, sonoros, chuva) para os quais não tenho estado disponível. claro, entenda, que tendo cinco sentidos e um único cérebro, não dou, não dei e não darei conta de aperceber a volta. mas estava bem, e deveria sempre estar, por não há bom apercebimento, senão possibilidade.
k. partiu hoje, o que me seria uma má possibilidade? fui ao recinto onde se cozinha, e, ao passar pelo pequeno quarto de doze mil litros, lá não a encontrei. mas isso é mentiroso, ou apenas uma possibilidade. (verifico (verifique?)) que aqui se deu a única dúvida desta escrita, e que isso, acredito! (acredita?) tem um significado dentro das estruturas importantíssimo). k. me ama, e eu amo ela. sigo a espera de momentos em que, possivelmente, possibilidade se cruzem e me apareçam novos momentos. sigo a espera do dia em que conhecerei k. e ela me mostrará que tudo isso que escrevi é verdade, e que se encontra num tempo futuro, que a língua portuguesa ainda não deu conta de descrever. e não a esperarei para adotá-la, castrá-la, destituí-la ou enterrá-la.
espero de k. apenas sua metamorfose.
(apócrito desnecessário: e com essa última frase entenda: k. voltou e trouxe consigo a esperança.)
domingo, 8 de novembro de 2009
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farofa de banana?
ResponderExcluireu gostei do texto.
não sei dizer porque,
mas, ora, isso já não o suficiente?
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNão sabia que tinha tido um relacionamento tão complexo com a nossa inquilina passageira.
ResponderExcluirMuito bonito perceber a liricidade da invasão de insetos em nossa casa.