A ça va?
E ça va.
A Acertou com Marcelo?
E Sim
A Gostou do salário?
E Ainda não tratamos disso
E Com licença
E Hoje é dia vinte e três
A Oui, et allor?
A O que tem o dia vinte três?
E Você prometeu sair comigo no dia vinte e três
A Eu não prometi isso.
pausa
A Eu não prometi isso
E Eu lhe acho uma linda mentirosa
A Eu não acho
E Haha
A Por que esse ha-ha?
E Porque acho que você é mentirosa
A Não sou
E Jamais?
A Algumas vezes, mas não com freqüência
E Quando?
pausa
A Para voce eu minto
E Por que só para mim?
pausa
E Não é por que eu minto para você?
A Não é isso
E É por que eu tenho nariz grande?
A (ri) Não é isso!
E que bom. ainda bem
A Por que deseja sair comigo esta noite?
E Porque além de linda, você é carinhosa
A Apenas isso lhe atrai em mim?
E Tudo me atrai
A Tudo?
E Seu cabelo, olhar, nariz, boca, mãos…
pequena pausa
A Sair significa dormir juntos?
pausa
A Responde sinceramente
pausa
A Responde
pausa
A Quantos anos você tem?
E Tenho vinte e um
A E seus pais ainda estão vivos?
E Sim, estão
A Visita-os com freqüência?
E De vez em quando
A Você sai com garotas?
E Sim, de vez em quando
E Seria bom dormir com você
E E voce?
A Eu sequer cogitei isso
A (morde os lábios)
E E agora que eu lhe pergunto?
E Por que disse que sairíamos?
A Menti (ri)
E E por que fez isso? Pensei que falava sério.
A Sinto muito ter sido descortês, mas…
pequena pausa
A Você sai com garotas à noite?
E Sim, já disse que sim
A De que tipo?
E Do tipo que me agrada
A Como eu?
E Sim
A E com prostitutas?
E Sim, de vez em quando
E Mas não me agrada. É triste e frio
A Não quero saber disso
E Só falei
A Por que falou?
E Para que conheça minha forma de pensar
E E você que costuma fazer à noite quando está sozinha?
E Por exemplo, que fará essa noite?
A Hoje eu tenho de classificar as fotos para o calendário
E É verdade?
A Sim
E E que tipo de foto?
A Fotos de moda
E Me disse que se dedicava a discos, não a moda
A Posso associar ambos os trabalhos
A Também classifico fotos de moda
E Fotos suas?
A Não
E Esta noite você sairá com outro rapaz?
E Outra noite a vi com outra pessoa. Um rapaz alto e forte.
A Encontrei-o por casualidade
E Verdade?
A Sim, claro
E Não posso acreditar
A Mas é verdade
E E onde foram?
A Tomar um café
E Do que falaram?
A Do meu disco
pequena pausa
E Caso saiamos, tem medo de que e a conquiste?
pequena pausa
E Por isso não sai comigo?
A Sim, talvez seja isso (sorri)
E Por que você teme que eu a conquiste? Você é belíssima
A Isso me deixa apreensiva
E Você tem belos seios
A (ri)
E Sim, isso também importa, você sabe
pequena pausa
E Olhe-me nos olhos
A (Sorri)
E Em que pensa ao me olhar? Vamos, olhe-me
A Em nada
E Como em nada?
E Deve pensar em algo. Sempre se pensa em alguma coisa
A Apenas lhe observo
E Agora, em que pensa?
A Bem
E Diga
A Que é o centro do mundo para você?
E O centro do mundo?
E Que inusitado. Acabamos de nos conhecer e olha sobre o que falamos
A É uma brincadeira normal
E Sim, claro
A Vamos, me responda
E O amor, acho
A A minha resposta é em mim mesma
pequena pausa
A Parece estranho para você?
A Não lhe é estranho?
E De certa forma, sim, claro
A A que se refere?
E A ver e dizer as coisas segundo sua maneira de ser
E A utilizar sua cabeça
grande pausa
A Você acha que pode viver sozinho? Sem mais ninguém?
E Não. Não é possível. Não pode ser
E Não se pode viver sem ternura, seria como suicídio
A Olhe-me nos olhos
pausa
A Se lhe dissesse que talvez o ame, você gostaria?
E Claro que gostaria. Bien sûr.
(Jean-Luc Godard)
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
domingo, 22 de novembro de 2009
"posso falar diz uma porque já sei a estrada
"posso falar diz uma porque já sei a estrada e nela caminhei à noite e ao sol, pedra nenhuma te fará sombra e moradia, ora deixa-me olhar a estrada com os meus próprios olhos diz a outra, se não há pedra bondosa deixa-me olhar o vazio do lugar, se me vou ferir deixa-me senti-lo pois só aprendo se em mim se mostra o ferimento e talvez a ferida se enoje de mim, tantas palavras quando o outro só tem que caminhar onde todos caminham, que pedra me faz falta? que moradia tu pensas que preciso?" (hilda hilst)
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
"olha, desculpa", ela disse
"olha, desculpa", ela disse, sem que, na verdade, desculpasse, "não dá mais", (já não era possível dizer, aqui, se era ou não, pois o cálculo das probabilidades era uma pilhéria). "hum", disse ele, a mão a testa, o lábio trêmulo.
"desculpa", ele disse, sem que, na verdade, se olhassem. mas ela nada disse (o seu silêncio já era esperado). e do outro lado da linha vinha apenas o pulso telefônico.
"desculpa", ele disse, sem que, na verdade, se olhassem. mas ela nada disse (o seu silêncio já era esperado). e do outro lado da linha vinha apenas o pulso telefônico.
domingo, 8 de novembro de 2009
eu adotei uma mariposa, e seu nome era k.
eu adotei uma mariposa, e seu nome era k. ela me ensinou muito, e sabia (como sei já não é possível explicar) que também lhe tinha ensinado. a cumplicidade veio em pouco tempo: logo eu olhava por ela, e ela retribuía o olhar. eu ouvia por ela, e ela retribuía a audição. eu amava por ela, e ela retribuía em amor.
ficava no pequeno quarto destinado aos estudos acústicos, ao chão. ora, é verdade, à parede, próxima ao interruptor, o que me causava, mais a princípio, menos com o tempo, um certo arrepio. mas, entendo agora, que era mais uma questão com o incômodo de k. do que comigo mesmo. ficava ali, batendo suas asas numa desassociação paramétrica que era só sua: a velocidade e a amplitude nem sempre coincidiam, a ponto de k. não ser uma exímia voadora. não num cubículo de uma dúzia de metros cúbicos.
eu adotei uma mariposa, e seu nome era k. me vem agora o absurdo que é adotar algo, alguém, uma mariposa. os algos, alguéns ou mariposas continuam sempre os mesmos, por mais que as relações mudem. entendam: namorar alguém não é operar nele de forma a amorfá-lo, destituí-lo de seus caracteres, preenchê-lo com um conteúdo que não lhe signifique, que não lhe pertença (como se preenche a galinha com farofa de banana no natal, como se ali coubesse algo que não seja, antes de mais nada, galinha, pura e simplesmente).
ela me ensinou muito. a calma, a perseverança, que infelizmente não pude aprender com meus fios de cabelo, ou minhas unhas, ou os textos de barthes, ou as listas intermináveis da poesia concreta que somam elementos sem que o último seja precedido da conjunção aditiva esperada, aprendi com k. a filosofia zen poderia ter melhores tutores, mas k. também ensinara que não existem melhores algos, alguéns ou mariposas, existem apenas possibilidades. a boa possibilidade também não existe, pois k. continua no pequeno quarto, enquanto eu mesmo lá não estou (como sei já não é possível explicar).
k. me ensinou a dançar. sem o afetismo que sofrem os nossos dançarinos, ela se punha a transcrever no ar pequenos aforismas de pura poesia. comunicava-se comigo através dessa dança (mas não só, entenda). comunicava com o mundo, era verdade, através desses signos, mas eles não estavam disponíveis o suficiente. e me fazia pensar quantos os sinais que existem por aí (ipês, sementes voadoras, uivos sigilosos, reflexos, sonoros, chuva) para os quais não tenho estado disponível. claro, entenda, que tendo cinco sentidos e um único cérebro, não dou, não dei e não darei conta de aperceber a volta. mas estava bem, e deveria sempre estar, por não há bom apercebimento, senão possibilidade.
k. partiu hoje, o que me seria uma má possibilidade? fui ao recinto onde se cozinha, e, ao passar pelo pequeno quarto de doze mil litros, lá não a encontrei. mas isso é mentiroso, ou apenas uma possibilidade. (verifico (verifique?)) que aqui se deu a única dúvida desta escrita, e que isso, acredito! (acredita?) tem um significado dentro das estruturas importantíssimo). k. me ama, e eu amo ela. sigo a espera de momentos em que, possivelmente, possibilidade se cruzem e me apareçam novos momentos. sigo a espera do dia em que conhecerei k. e ela me mostrará que tudo isso que escrevi é verdade, e que se encontra num tempo futuro, que a língua portuguesa ainda não deu conta de descrever. e não a esperarei para adotá-la, castrá-la, destituí-la ou enterrá-la.
espero de k. apenas sua metamorfose.
(apócrito desnecessário: e com essa última frase entenda: k. voltou e trouxe consigo a esperança.)
ficava no pequeno quarto destinado aos estudos acústicos, ao chão. ora, é verdade, à parede, próxima ao interruptor, o que me causava, mais a princípio, menos com o tempo, um certo arrepio. mas, entendo agora, que era mais uma questão com o incômodo de k. do que comigo mesmo. ficava ali, batendo suas asas numa desassociação paramétrica que era só sua: a velocidade e a amplitude nem sempre coincidiam, a ponto de k. não ser uma exímia voadora. não num cubículo de uma dúzia de metros cúbicos.
eu adotei uma mariposa, e seu nome era k. me vem agora o absurdo que é adotar algo, alguém, uma mariposa. os algos, alguéns ou mariposas continuam sempre os mesmos, por mais que as relações mudem. entendam: namorar alguém não é operar nele de forma a amorfá-lo, destituí-lo de seus caracteres, preenchê-lo com um conteúdo que não lhe signifique, que não lhe pertença (como se preenche a galinha com farofa de banana no natal, como se ali coubesse algo que não seja, antes de mais nada, galinha, pura e simplesmente).
ela me ensinou muito. a calma, a perseverança, que infelizmente não pude aprender com meus fios de cabelo, ou minhas unhas, ou os textos de barthes, ou as listas intermináveis da poesia concreta que somam elementos sem que o último seja precedido da conjunção aditiva esperada, aprendi com k. a filosofia zen poderia ter melhores tutores, mas k. também ensinara que não existem melhores algos, alguéns ou mariposas, existem apenas possibilidades. a boa possibilidade também não existe, pois k. continua no pequeno quarto, enquanto eu mesmo lá não estou (como sei já não é possível explicar).
k. me ensinou a dançar. sem o afetismo que sofrem os nossos dançarinos, ela se punha a transcrever no ar pequenos aforismas de pura poesia. comunicava-se comigo através dessa dança (mas não só, entenda). comunicava com o mundo, era verdade, através desses signos, mas eles não estavam disponíveis o suficiente. e me fazia pensar quantos os sinais que existem por aí (ipês, sementes voadoras, uivos sigilosos, reflexos, sonoros, chuva) para os quais não tenho estado disponível. claro, entenda, que tendo cinco sentidos e um único cérebro, não dou, não dei e não darei conta de aperceber a volta. mas estava bem, e deveria sempre estar, por não há bom apercebimento, senão possibilidade.
k. partiu hoje, o que me seria uma má possibilidade? fui ao recinto onde se cozinha, e, ao passar pelo pequeno quarto de doze mil litros, lá não a encontrei. mas isso é mentiroso, ou apenas uma possibilidade. (verifico (verifique?)) que aqui se deu a única dúvida desta escrita, e que isso, acredito! (acredita?) tem um significado dentro das estruturas importantíssimo). k. me ama, e eu amo ela. sigo a espera de momentos em que, possivelmente, possibilidade se cruzem e me apareçam novos momentos. sigo a espera do dia em que conhecerei k. e ela me mostrará que tudo isso que escrevi é verdade, e que se encontra num tempo futuro, que a língua portuguesa ainda não deu conta de descrever. e não a esperarei para adotá-la, castrá-la, destituí-la ou enterrá-la.
espero de k. apenas sua metamorfose.
(apócrito desnecessário: e com essa última frase entenda: k. voltou e trouxe consigo a esperança.)
sábado, 7 de novembro de 2009
"... engraçado, nunca me vi assim
"... engraçado, nunca me vi assim, te lembraste de outra? nunca tive esse cabelo, nem esse rosto comprido, o olho tão redondo, não gosto quando me mostras teus desenhos, teus versos, nunca me vejo neles, é como se tu fosses outro cada vez que me mostras esboços palavras"
(hilda hilst)
(hilda hilst)
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