terça-feira, 1 de junho de 2010

Eu gostaria de ser

Eu gostaria de ser encanador. E disso não se trata de entrar em canos, usar macacões ou consertar chuveiros quebrados. Antes: ser convidado a entrar numa casa estranha e, ali, conhecer seus interiores, seus pordebaixos, suas intimidades.

Nenhum amigo uma vez me chamou para conhecer seu banheiro, como se portam sua pia e seu ralo, quais os problemas que enfrenta todas as vezes que lava roupa, ou os choques que leva ao abrir o registro do chuveiro. Quais lâmpadas queimam mais, ou onde há goteiras. Enfim, nenhuma casa nunca me foi apresentada, e isso me faz parecer traído.

Claro, também nunca a fiz (a apresentação baixia) a convidados. Nunca mostrei os relevos do azulejo cujo desenho (presumi desda infancia) eram de jovens trigos, os cabelos que se juntam aos montes no chão, as unhas cortadas perdidas nos cantos das paredes.

Eu gostaria de ser encanador, ou então aranha, lagartixa, mosquito. Esses sim, têm direito de adentrar os covis, de ali ter mais casa que eu mesmo, de ali chamar lar. Mas eles também nunca me apresentaram seus pertences, seus relevos, suas poeiras.



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Exercicio. 2.

Ao comentar o post acima, descreva, anonimamente, suas externidades que lhe caem mais internamente.

Não:

1... Limpar o inlimpável.

2... ignorar as larvas negras que nadam nas poças dágua.

3... Esquecer de falar da sua esponja do Bob Esponja.

4... Esquecer o quão suja está essa esponja.



nn... Esperar por respostas, já que a descrições, .

4 comentários:

  1. o seu exercício é tão maravilhoso que talvez isso se torne um texto para meu próprio blog. mas vamos lá:

    tem um acúmulo sobrenatural de sujeira na torneira do meu chuveiro. todas as noites em que tomo banho, fico esperando ansiosamente para que a empregada o limpe. e isso nunca acontece. por algum motivo subliminar, eu não consigo simplesmente pegar a escova de dentes rosa que está sobrando na pia e limpar a torneira eu mesma. acho que é força do hábito de esperar que a pessoa para a qual pagamos para fazer essas coisas baixas realize sua função. e elas nunca o fazem. não com sujeiras na torneira do chuveiro. tampouco com a sujeira que acumula entre os ladrinhos cor de rosa do chão do chuveiro.

    eu não tenho uma esponja do bob esponja. eu sempre quis uma, simplesmente pela graça da coisa, apesar de odiar o personagem. mas eu tive uma esponja rosa em forma de coração das princesas da disney que tive de jogar fora por risco de contaminação pela sujeira.

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  2. meu banheiro tem zilhões de coisas. coisas como embalagens vazias e embalagens completamente cheias.
    desde a reforma que deu forma ao meu quarto de banho, há na pia um copo de vidro (que com o tempo vem se esbranquiçando) com uma escovadedentes verde dentro. nunca toquei neles, tenho nojo tanto do copo quanto da escova, que não sei de quem são nem por que estão ali.
    desde essa mesma reforma que deu forma também ao meu quarto de dormir, há um espaço vazio de cada lado da minha cama. havia um projeto de preencher esses espaços com criadosmudos, mas já o abandonei, de modo que meus livrosdecabeceira ficam no chão. no chão também ficam o celular, os livros da aula, o anticoncepcional, o creme para mãos e incontáveis fios de cabelo. fios longos que perco todos os dias, aos montes.
    no banheiro, os fios também caem e ficam no chão, no ralo, e na escovadecabelos. semana passada o ralo entupiu. veio o encanador, que tirou de lá um emaranhado gigante de fios presos em uma massa de pó de cimento, que vem sendo cultivada dentro do ralo desde a reforma que deu forma a esses dois cômodos, que são dos meus lugares preferidos no mundo.

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  3. não esperar por respostas deveria fazer com que eu me calasse. mas o silêncio prometido incita a falar daquilo que deveria ser resguardado. (e não é isto a nossa vida?: um suspiro confessional que sempre fica no escuro?)

    acho que não é o descuido com a casa que descreve melhor as "externidades que nos caem mais internamente" (botei um "nos" aí, tudo bem?), é, antes, o descuido com o corpo.

    quando você deixa o pó acumular sobre a sua própria pele e cultiva com carinho as olheiras, em vez de combatê-las, aí, amigo, a coisa tá bem feia.
    uma casa suja pode ser só preguiça. um corpo entregue é qualquer coisa de perverso e sedutor... (li isto há poucos dias: [...] eu tentando lutar contra a tragédia, o abismo, a catástrofe e ao mesmo tempo apaixonado por ela")

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    adivinha quem sou eu? rs.
    tá fácil, vai. eu me entrego nas minhas palavras. meu léxico nunca muda, tsc.

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  4. É engraçado, mas a resposta perfeita está aqui:

    http://vimeo.com/12282485

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