sábado, 12 de setembro de 2009

Ela estudava cinema

Ela estudava cinema. Tinha apreço pela escrita roteirística. E nos seus estudos, lera no velho manual de peçaparatela: "tão bom será o roteiro quão próximo do fim estiver seu clímax". Ponto.

Nunca bem entendera isso. Nunca, até hoje. Não lhe era claro o sentido disso, e talvez não fosse, sabia, até mesmo para o bom senhor que imortalizara a frase no tal livro. Uma relação entre a estrutura e o seu ponto culminante que fugia a regras que pudessem ser entendidas puramente pela matemática, como a utilização da secção áurea ou a série de fribonacci. Mas não era a isso que se referia a afirmação.

Dizia respeito, sim, a um aspecto meramente duracional. O filme deveria acabar logo não houvessem mais expectativas a serem quebradas. Pois, sabia novamente, não era só a ela que os casamentos finais desimportavam. O que prendia o bom público a uma boa estória era sempre seus desconhecimentos. E, cá entre nós, e ela também, final de filme era sempre final de filme. Mas não era só isso.

Pois nunca entendera isso, nunca, até hoje. Passeava na rua, e os ipês (lera no grande parque da árvore podre que era essa árvore o símbolo nacional (pensava em enviar à CBF um comunicado pedindo que fosse sua flor o símbolo da Copa (seria, sim, melhor que um saci ou um pelézinho))). Passeava na rua, e os ipês que sempre lhe atraiam os olhares, tanto ao céu, com suas flores reluzentes, quanto ao chão, com seus depósitos multicoloridos de órgãos reprodutores descartados, agora lhe mostravam a solução do antigo problema. Não havia nada mais feio que um ipê com duas flores sobre seus galhos secos.

Não havia nada de mais feio, e sabia porque: um ipê em plena decadência estava muito distante daquele ipê totalmente colorido, em seu clímax próprio. E a resolução desse clímax deveria ser num desfecho triunfal, como que reafirmando a si mesmo. O alongamento dessa resolução, ou seja, seu afastamento meramente temporal do seu próprio disparador, gerava aquilo que não se queria ver, o ipê em decadência linear, que parecia negar que ali, noutro momento, houvera o esplendor de mil felicidades.

Tudo aquilo que, por melhor que fosse, não tem um final feliz (dizia agora "adequado"), negava sua própria existência, sua identidade. O final, afirmava Aristóteles, estava contido em toda obra, como seu começo e meio. No final, sempre os bons gregos, e no caminho, a boa natureza, com seus maestros arbóreos. O ipê ensinava mais que mil folhetos técnicos para cinema, e isso era o maior ensinamento do dia.

Um comentário:

  1. Em Barão Geraldo existem três tipos de Ipês, que florescem alternadamente, de modo que com cada final de ciclo outro começa logo (com alguma paciência). No buraco existente entre o terceiro e o primeiro, certamente as pessoas sorriem (ou choram, dependendo da inclinação sentimental) menos.

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